UMA HISTÓRIA DE AMOR PUNK
Com produção de Ben Stiller e direção de Adam Rehmeier, “Uma História de Amor Americana” (Dinner In America) é um filme de 2020 que fala sobre o irreverente e improvável romance entre Simon (Kyle Gallner) e Patty (Emily Skeggs). Ele é um punk subversivo e criminoso e ela uma garota possivelmente neurodivergente e desajustada socialmente, e seu encontro irá afetar a jornada de ambos de maneira permanente.
Somos introduzidos nessa história nada romântica ou convencional quando Simon está participando de um teste de medicamentos para algum laboratório aleatório americano. Nessa cena inicial, percebemos que o filme não irá seguir por caminhos tradicionais, enquanto vemos os efeitos da droga agir no organismo do protagonista. Elas, as drogas, estarão bastante presentes na narrativa.
Em um momento seguinte, Simon está em um jantar com uma família comum dos Estados Unidos - uma mãe cansada e cuidadora do lar e da família, um pai provedor do lar que ama esportes, uma garota padrão que anseia um relacionamento emocionante e um filho meio desajustado que emula uma rebeldia contida e previsível. Nada disso combina com o personagem principal e ele deixa claro que aquele modelo de representação familiar não é sua praia. Em seguida, Simon está literalmente ateando fogo na casa dessas pessoas.
Após essa introdução caótica, o filme nos apresenta então Patty, uma jovem que possui alguns sinais de neurodivergência, é extremamente reservada e manipulada pela própria família a manter-se sempre contida e sem demonstrar seus sentimentos. Além disso, ela vive à base de remédios e trabalha nos piores lugares possíveis da cidade. Sendo basicamente o oposto do frenético Simon, ficamos nos perguntando de que forma estes dois personagens irão se conectar. E logo a resposta surge à medida que vemos estes personagens compartilhar um interesse em comum - a música punk.
Esse elemento musical permeia a trama de forma orgânica, unindo os protagonistas e rendendo um dos momentos mais bonitos do filme inteiro, que não irei contar aqui pra não dar spoilers demais. E o movimento punk, este que surge como uma resposta à inércia e ideologia não-violenta dos hippies, é algo que define não somente o andamento do filme, mas principalmente a figura de Simon e que o colocará como um auxiliar do processo de transformação da Patty. Toda a agressividade, a fúria e capacidade de ação que a personagem precisava para “despertar” é adquirida através da influência punk de Simon.
Uma História de Amor Americana também quer nos mostrar todas as contradições e idiocracias do "American Way of Life ", tecendo críticas ao conservadorismo americano e em como existe hipocrisia na visão moralista e majoritariamente branca daquele país. A questão das drogas é abordada na figura de Simon em vistas de representar o consumo recreativo e isolado delas, em detrimento da perspectiva preconceituosa da sociedade estadunidense.
ISSO É TÃO ANOS 2000
No entanto, alguns fatores me incomodaram ao assistir ao filme; por exemplo, os dois personagens negros que possuem falas no filme (com exceção do patrão de Patty) são consumidores de drogas de alguma forma. E seus papéis se restringem a isso. Um deles vende e oferece drogas a Simon em dado momento, e o outro personagem compra drogas do protagonista. É claro que não há obrigatoriedade de o filme trazer representatividade num contexto em que a realidade material dos EUA se mostra ineficiente em conceder posições sociais melhores à população negra americana. Porém, utilizando-se da liberdade criativa e poética no roteiro, ou mesmo buscando representações reais nos subúrbios do Meio Oeste americano, será que não haveriam exemplos de pessoas negras que não estivessem envolvidas no submundo das drogas, ou que pudessem ser incluídos na trama sem haver uma relação de antagonismo com os personagens principais?
Logicamente, o filme se apoia na ideia de ser uma história punk, portanto não segue determinados padrões e convenções do gênero do próprio longa, e procura realizar uma crítica ácida contra aquele modelo de sociedade moribundo e hipócrita. Porém, ao trazer representações preconceituosas e estereotipadas sem realizar uma abordagem mais crítica ou analítica desse contexto, como faz com os demais temas do próprio filme (drogas, conservadorismo, o american way of life), parece desconectado da realidade material atual (pra um filme de 2020) e despreocupado com questões de racialização e gênero em produções midiáticas mais recentes. Afinal de contas, fica parecendo que Uma História de Amor Americana é não somente um romance punk, mas um conto de fadas agressivo e superficial.